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O que é miniconto

Miniconto é um tipo de conto muito pequeno, digamos que com no máximo uma página, ou um parágrafo (não gosto de definições que classificam pelo número de palavras). Alguns dizem que ele é o primo mais novo do poema em prosa, outros apontam as fábulas chinesas como origem, de certo é que desde meados do século XX o conto tem experimentado – com sucesso – formas extremamente breves a partir de textos de autores como Cortázar, Borges, Kafka, Arreola, Monterroso e Trevisan.

Nos últimos anos, este tipo de ficção ganhou muito espaço na literatura de diversos países. Nos Estados Unidos, antologias sucessivas foram lançadas com textos cada vez menores, culminando na chamada microfiction, cuja antologia inaugural reúne textos de até 300 palavras. A literatura latino-americana, responsável pela difusão inicial do gênero, tem não apenas apresentado antologias como também estudos acadêmicos acerca do que eles chamam de microrrelato. É de um hispano-americano, o guatemalteco Augusto Monterroso, o micro mais famoso:

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.
E de outro latino-americano, o mexicano Juan José Arreola, um dos meus preferidos:

CONTO DE HORROR
A mulher que amei se transformou em fantasma. Eu sou o lugar das aparições.

A propósito, alguns autores distinguem "miniconto" de "microconto", mas eu rejeito esta divisão por acreditar que a principal distinção do gênero é que se o conto vence por nocaute, como diria Cortázar, o miniconto vence por nocaute no primeiro soco do primeiro round. Se em determinada história esse efeito é obtido com quatro palavras, ótimo, mas em alguns textos serão necessárias duas, três, cinco linhas. Nesse sentido, o primeiro passo é pensar em uma história que caiba em tão poucas linhas. Eu sempre digo que uma boa história pede o seu tamanho. Algumas histórias funcionam em menos linhas, outras exigem mais espaço para criar a situação.

No Brasil, a partir dos anos 90 houve uma grande quantidade de autores publicando livros com ou exclusivamente de minicontos. O pioneiro Ah, é?, de Dalton Trevisan, é de 1994, mas poderia citar também Contos Contidos, de Maria Lúcia Simões (1996), O filantropo, de Rodrigo Naves (1998), Pérolas no decote, de Pólita Gonçalves (1998), Passaporte, de Fernando Bonassi (2001), Coração aos pulos, de Carlos Herculano Lopes (2001), Eles eram muitos cavalos, de Luiz Rufatto (2001), Mínimos Múltiplos Comuns, de João Gilberto Noll (2003), até chegarmos no emblemático Os cem menores contos brasileiros do século, organizado por Marcelino Freire (2004) e já citado na abertura deste texto. Neste livro os autores foram desafiados a escrever textos narrativos de até 50 letras (isso mesmo, letras, não palavras).

A partir daí a produção cresceu sobremaneira, há inclusive um livro de minicontos juvenis, do competente e criativo gaúcho Leonardo Brasiliense, Adeus conto de fadas (2006), que ao testar esta estética com outro público comprovou a flexibilidade do miniconto e a possibilidade de o tratarmos como um gênero (da mesma forma que os poetas tratam como gênero o haicai). Tive a honra de escrever a orelha desse livro, que venceu o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Literatura Juvenil.

Entretanto, mais do que a publicação em livro, o que impulsionou o crescimento do miniconto foi a internet, mídia que sintetiza nossos tempos velozes. Apenas neste site são mais de 500 textos. A página de Facebook Miniconto do Dia, por exemplo, tem mais de 75 mil seguidores. Sem contar projetos de literatura digital que utilizam o miniconto, como Dois Palitos, de Samir Mesquita, ou Minicontos Coloridos (www.literaturadigital.com.br/minicontoscoloridos), de minha autoria.

Ocorre que devido ao seu formato enxuto e de rápida leitura, o miniconto se tornou um gênero cultivado não apenas pelos leitores como também pelos escritores das novas gerações, seduzidos pela (aparente) facilidade de se escrever um bom miniconto. Só aparente. Há sempre o risco de que o texto na verdade seja uma poesia, uma cena (sem sequência que lhe dê completude), uma sinopse (resumo de uma história que precisaria ser desenvolvida) ou uma piada.

Desde o começo o que mais me intrigou no miniconto foi a capacidade de narrar com tão pouco, em tão pouco espaço. Claro que o miniconto tem suas limitações (brinco que nunca vi alguém chorar lendo um miniconto), mas ele permite que vejamos toda a estrutura narrativa condensada, tal qual um bonsai, tornando-se não apenas um exercício instigante e produtivo para novos autores como um ótimo instrumento de captação e atração de novos leitores.

Ao longo desses mais de 10 anos o que mais me emociona ao trabalhar com minicontos é ir em escolas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) e ver como eles gostam desse tipo de texto, pois ao mesmo tempo que são curtos, permitindo a compreensão de quem está começando ou retomando a alfabetização, suas temáticas são profundas e não os subestimam.

Nesse sentido, aliás, muitos professores têm usado os minicontos em salas de aula com crianças e jovens que reclamam de preguiça para ler, pois a partir dessa isca é possível tratar de questões existenciais e literárias.

Vale salientar, porém, que o miniconto não é uma tendência da literatura, não é reflexo de uma geração preguiçosa e que lê menos (basta ver o sucesso das sagas entre os jovens, por exemplo), embora seja, sim, repito, um gênero próprio dos nossos tempos velozes e fragmentados. O ideal é que ele seja uma isca (para leitores ou novos autores), mas que a experiência de leitura não se esgote nele. Não existem florestas de bonsai.

trecho da apresentação do livro Minicontos, de Marcelo Spalding

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